24 de março de 2019

A "MINHA" FLORBELA ESPANCA


Sim, digo "minha", porque nem a maturidade refreou este encantamento da minha juventude. Gosto do ímpeto, gosto do excesso e gosto da teatralidade desta escrita toda feita de emoção! Gosto do estilo grandiloquente e retórico, um pouco 'démodé' se visto à luz dos dias de hoje, em que a arte, julgando soltar-se, se prende ao quotidiano... E gosto até do egocentrismo exacerbado, tão romântico, tão trágico... A grande Florbela foi a minha primeira retratada feminina no desafio do Instagram chamado #portratit_challenge_2019, deixa "Autor". De tantas personalidades possíveis que admiro, preferi homenagear as mulheres e, porque não, figuras portuguesas. Pois aqui está quem amava "perdidamente" e era, porque poeta, "maior do que os homens"...


Em honra desta sensibilidade superlativa e inspiradora, celebrada por Pessoa, deixo aqui um dos meus exercícios de poesia (não é para rir!), também ele feito do ritmo que, pendularmente, evoca um passado perdido. É verdade: ainda hoje, por vezes, escrevo sonetos "à maneira de Florbela" (salvas, é claro, as devidas distâncias, de que estou muito humildemente ciente)! 

MUITO TEMPO

Já faz tempo, muito tempo, que não vejo,
Pelas ruas da cidade adormecida,
O teu rasto, sempre dúbio, que o desejo
Transfigura face à dor em mim tecida.

Já há anos, tantos anos, que te sinto
Alheio e longe, num lugar desconhecido,
Tão estranho, transformado, bem distinto
Do que eras, ou a mim tinhas parecido.

Tua imagem nunca mais será igual,
Tua voz, teu gesto, já sem esperança,
De mim se afastam, para sempre, sem que o sinta.

Já são outros estes tempos, afinal,
Sem augúrio de afago ou de bonança,
E eu sou vento, sou memória quase extinta.