27 de junho de 2018

TEMPO DE CEREJAS


Rubras, lustrosas, frescas e suculentas — haverá coisa melhor? Se pudesse, comia-as às mãos cheias, mais e mais, de tão gulosa que sou!... Estas desenhei-as à noite, sob a luz vertical do candeeiro da sala de jantar:


Aquela que falta ali no canto inferior esquerdo foi subtraída pelo meu filho pequeno, que não se ensaiou para a comer segundos antes de eu tirar a fotografia.

25 de junho de 2018

PUNTA DELLA DOGANA


Fiz este último desenho de Veneza a partir do embarcadouro do "vaporetto", ao lado da Praça de S. Marcos, onde cheguei depois de percorrer toda a extensão do Gran Canale. É na "Punta della Dogana" — ou, em tradução literal, "Ponto Alfandegário" — que desemboca o Gran Canale, fundindo-se com o Canale della Giudecca. Em primeiro plano, mesmo no vértice, está o edifício que em tempos foi da alfândega e é hoje um museu de arte contemporânea. A enorme abóbada que se vê mais à direita, e a que eu aqui dei uns tons um pouco caprichosos, é a da "Basilica di Santa Maria della Salute". Trata-se de uma das igrejas mais emblemáticas de Veneza, que celebra a libertação da cidade da peste de 1630 pela Virgem Maria:



Com o seu formato triangular, dir-se-ia que a "Punta della Dogana" é a proa de um navio que sulca os mares...


... E, ao leme, está uma figura feminina — Fortuna — em forma de catavento, assente sobre uma esfera de bronze. Aqui deixo uma imagem da escultura, de Bernardo Falconi, ao lado da minha versão miniaturizada:


19 de junho de 2018

REFLEXOS DE VENEZA


“[Venice]… is still left for our beholding in the final
 period of her decline. (...) We might well doubt, as we watched
her faint reflection in the mirage of the lagoon,
which was the City, and which the Shadow."
John Ruskin (1851), 
The Stones of Venice,
Vol. I, ch. I, § 1


Chamam-lhe a Cidade das Pontes, mas é na água e seus inúmeros reflexos que a identidade de Veneza parece construir-se. Com tantos cursos de água, e com uma luz tão meridional, Veneza duplica-se a cada passo, em cada esquina, sobre cada pedra, ao ponto de quase hesitarmos sobre qual das duas preferirmos, como diz Ruskin: se a verdadeira, se a reflectida — se a realidade, se a sua sombra... Deixo-vos com este dilema platónico, sob forma de cor e sol, no penúltimo dia da minha visita de Maio a Veneza:


E aqui fica também o sketch, feito no local com meia dúzia de linhas, como eu gosto mas poucas vezes consigo:

9 de junho de 2018

PONTE DEL DIAVOLO


Que nome insólito para uma pontezinha tão prazenteira! Algures na zona mais a leste de Veneza, no "Sestiere di Castello" (Bairro de Castello) encontrei esta ponte — mais uma, de entre tantas! — que quis desenhar, sobretudo pela estranheza toponímica. Tem o típico tijiolinho debruado a mármore e, como todas as pontes da cidade, degraus e o vão arqueado. Ostenta ainda grades de ferro e, em seu redor, perfilam-se prédios de tons pastel, que aqui ficaram vivos demais. Numa placa, o nome em letras maiúsculas não deixa margem para dúvidas:



Esta não é a única ponte na Lagoa de Veneza a ter este nome, dir-se-ia que amaldiçoado. Em Torcello, uma ilha situada ao norte que não visitei, existe uma ponte homónima, bem mais célebre e antiga, sem grades nem proteções laterais, cuja lenda — essa sim — se pode rastrear. Diz-se, pois, que uma rapariga veneziana, tomada de amores por um oficial austríaco, entretanto morto em combate, consultou uma bruxa para reaver o amado. A bruxa fez um pacto com o diabo, para que este restituísse o jovem oficial à veneziana em troco das almas de sete crianças cristãs. O casal viu-se reunido e foi feliz, mas o diabo nada recebeu como pagamento. Reza a lenda que, irado, o diabo passou a vir todos os anos, a 24 de dezembro, reclamar a dívida à ponte com o seu nome, em Torcello, sob a forma de gato preto... 

Não sabemos se esta outra ponte, a do Sestiere di Castello, está de alguma forma ligada à lenda de Torcello. A sua beleza e encanto parecem desmenti-la. Mas o nome está lá... 

6 de junho de 2018

POÇO DOS DESEJOS


Quase todas as praças que vi em Veneza têm no seu centro um poço como este. Enfeitado e esculpido, sem nada de instrumental. Os turistas acercam-se para espreitar, através das grades que o cobrem, e muitos tiram fotografias. Neste caso, a praça era o "Campo Santa Maria Mater Domini", algures no emaranhado labiríntico da cidade. Sentei-me à sombra e fiz ali mesmo o meu terceiro desenho de Veneza, com uma ponte à direita, pois claro, e uma gôndola que espreita. Mas o meu olhar é convocado pelo mistério deste poço, tão insólito como vetusto…


Eis a fotografia que tirei mal dei por terminado o desenho (as raparigas em torno do poço acrescentei-as depois):



Que segredos esconderá este poço encantado? Que histórias ouviu, que desejos acolheu, que gerações acompanhou ao longo dos séculos?...