27 de abril de 2016

OS ALUNOS


Dizia um antigo professor meu que felizmente os alunos não envelhecem nunca. Assim parece, realmente. Ao passo que nós, como toda a gente, vamos mostrando cada vez mais a idade, temos sempre alunos jovens à nossa frente, como se o tempo não passasse por eles. Ano após ano conhecemos turmas novas, cheias de caras frescas como alfaces:



O meu professor tinha razão. Uma das coisas boas da nossa profissão é lidarmos com gente jovem e saudável. Em princípio, claro. Não lidamos com a doença, como os médicos e os enfermeiros, nem com o conflito, como os advogados e os juízes, nem com a burocracia, como os funcionários e os técnicos. É claro que, por vezes, também nos deparamos com casos de doença, conflito e (é certo) uma boa dose de burocracia. Mas não é essa a natureza do que fazemos. Cabe-nos ensinar e acompanhar pessoas na flor da idade, que querem aprender, fazer coisas, "começar" a vida – e este impulso de renovação e recomeço consegue contagiar-nos. Os alunos são sempre diferentes, claro, a cada semestre que passa, mas na memória acumulada e confundida ano após ano, é como se fossem sempre os mesmos, imutáveis, sempre jovens. Sempre com 20 anos... Por isso, a Alexandra, o Tiago e a Joana – alunos meus que tento retratar acima – representam, apesar de únicos e irrepetíveis na sua individualidade, essa essência de juventude que aos meus olhos continuamente se repete e eterniza.

20 de abril de 2016

TORPOR NA RELVA

Though nothing can bring back the hour 
Of splendour in the grass, of glory in the flower, 
We will grieve not, rather find 
Strength in what remains behind
(William Wordsworth)

Chamar-lhe "esplendor" seria talvez demasiado poético, mas este preguiçar indolente sob o sol da tarde tem na verdade um pouco da glória dos prazeres simples. E tem também aquele brilho tão especial da luz de Abril, captado entre chuvadas de Primavera. Uma pequena extravagância, estes minutos roubados à rotina do trabalho:
Não costumo desenhar com lapiseira Bic, mas desta vez foi o que tinha à mão. O papel? Bem, o único que encontrei: uma das folhas A4 que tinha na impressora do meu gabinete. Algumas das figuras, como se vê, nem mereceram cor, tão frágil e delicado se mostrou o papel perante a aguarela...




Possamos nós, como aconselha Wordsworth, colher força no passado para fazer face ao futuro. Ou, no que toca a sestas na relva, gozar estes intervalos de sol para aguentar a chuva toda que ainda está para vir.

18 de abril de 2016

UM VEADO ENTRE BÉTULAS


Quando estive na Finlândia há dois anos, lembro-me bem de ter notado a omnipresença das bétulas no imaginário turístico local: os seus troncos altos, finos e prateados, marcados por linhas negras horizontais, apareciam em tudo, de posters a brinquedos, de utensílios a souvenirs variados. Numa das excursões do colóquio a que fui, perto de Helsínquia, vimos florestas de bétulas, mas na altura verdejantes (era Junho). É claro que não tive a sorte de me cruzar com um veado de armação imponente como este (era bom, era), mas quis transpô-lo para a nossa latitude meridional, espreitando por entre o emaranhado de árvores:


Foi o meu segundo trabalho de paper cutting, feito a pensar num tríptico (para juntar a este e a um outro que há-de vir). Desta vez, usei aguarela sobre traço leve a lápis, apenas para destacar a figura do animal. Note-se que o fiz, algo estranhamente, antes de recortar o desenho pelo lado do avesso:

Passei depois ao x-acto, sempre na face interior, para não ficarem visíveis as marcas dos cortes. Corta-por-aqui, corta-por-ali e... pronto!


É caso para dizer que, desta vez, o corte-e-recorte me levou ao... Norte!

14 de abril de 2016

BOA NOVA


Não, não tenho nenhuma notícia particularmente boa para dar, além de que, é certo, me diverti bastante com este desenho. É a Casa de Chá da Boa Nova, do Siza Vieira, em Leça da Palmeira. Já estava há que tempos para a desenhar. E foi este sábado. Uma maravilha, o sol que acabou por brilhar! Deu-me logo vontade de sair, apanhar ar, desentorpecer e exercitar (sedentária incorrigível em que me tornei). Peguei na bicicleta e lá fui, passeio fora, mesmo junto às ondas. O mar estava lindo, um pouco revolto, ainda invernoso, mas a luz, límpida.


E em casa veio a aguarela:


7 de abril de 2016

A MINHA MAGNÓLIA AMARELA


Comprei uma magnólia supostamente amarela há cerca de três anos, num vaso com uma haste já bem enraizada e ornada de algumas folhas viçosas. Uma magnólia chinesa ("fei huang"), disseram-me, muito rara e procurada. Nada de flor, porém, pois era verão e as magnólias florescem no inverno. Vim para casa esperançada de que no inverno seguinte haveria novidades. Transplantei-a e pegou bem, mas nada. E dois invernos depois, zero ainda. Comecei a duvidar da minha escolha e a lamentar não ter antes trazido um exemplar em branco ou rosa, mais comuns e menos exóticos. Vejo tantos pela vizinhança, pejados de flor, desde finais de Janeiro! Eis senão quando, no fim de Março - ou seja, já na primavera - a minha magnólia renitente finalmente se resolveu a dar um ar da sua graça. Brotaram vários botões carnudos, de um amarelo pálido, que se abriram em pétalas aveludadas, de delicada fímbria translúcida. Ah!... Isto merece um desenho!



Perdoada a minha árvore preguiçosa e admirados os seus belos caprichos florais, o meu deleite estava no entanto condenado a esmorecer: as flores envelhecem depressa, acastanhando e apodrecendo antes de cair. Beleza efémera, está visto, mas mesmo assim... beleza!


6 de abril de 2016

UMA RUA A DESPEDIR-SE DO INVERNO


A rua é a Avenida Central, no centro histórico de Braga, mas o inverno podia ser qualquer um. Todos os invernos despem as árvores, escurecem o céu e dão às pessoas um certo ar cabisbaixo, entre o transido e o alheado:



Este desenho fi-lo in situ, de dentro do carro, já ao entardecer: muitas janelas, muitas sacadas, uma igreja (sempre) e uma tília à espera da primavera:


2 de abril de 2016

A CORÇA E O FILHOTE


Li algures que hoje é o Dia Internacional do Livro Infantil, celebrando o nascimento de Hans Christian Andersen. Calha bem! Passei parte da manhã, neste sábado nublado e temperamental, a desenhar um novo quadro para o meu rapazinho (já falei doutras empreitadas aqui). À cena mãe-filho tipo "Bambi" acrescentei uma rosácea geométrica. Desta vez, no entanto, em vez de pintar resolvi fazer paper cutting. Nunca tal coisa tinha tentado, mas foi bem divertido. Aqui estou eu em pleno labor de corte e recorte, com o meu material novo em folha: 


Não sei que base é esta que me venderam numa papelaria especialmente para o efeito, mas é milagrosa: apesar de a lâmina ser finíssima, é impossível de perfurar ou riscar. Concluídos os recortes, feitos sobre o desenho a marcador preto, passei à moldura, virando do avesso o papel (convém que este tenha uma boa espessura para aguentar a pressão dos recortes - usei 180g). E tive, é claro, ajuda do meu pequeno art expert, que parece ter aprovado a bucólica cena: