[Aviso à navegação: este é um post excepcionalmente longo.
Arranjar uma cadeira.]
Tenho adiado trazer aqui memórias de Paris por saber que qualquer coisa que tente desenhar já terá sido vista um milhão de vezes. Não conheço nenhuma cidade mais pintada do que Paris, ou alguma em que se vejam tantos pintores de rua no seu afã eterno. Por isso, quando finalmente me decidi, saudosa, rabiscar a cidade, resolvi evitar o Sena a todo o custo, a Torre Eiffel, claro está, e outros lugares-comuns como o Sacré Coeur e Notre Dame. Vou desenhar uma esquina, decidi. Uma cena de rua, com gente e carros, talvez um monumento, sim, mas em segundo plano. Ah, e uma esplanada! Como desenhar Paris sem as suas esplanadas? Mãos à obra, pensei, determinada. E saiu-me isto:
O que aqui vêem é o Café de la Paix, com a Ópera a espreitar em segundo plano. (Comi ali certa vez um mille feuilles com - imagine-se - pétalas de rosa que, além de me custar uma fortuna, me deu a impressão que estava a engolir um perfume de avó.) Quando acabei o desenho, longe estava eu de saber, por muito que pressentisse a concorrência esmagadora, que...
...este mesmo sítio (sim, este mesmo, o exacto ângulo que eu escolhera!) já tinha sido pintado 'n' vezes. Over and over again! E por vezes repetidamente pelo mesmo autor. Deixo aqui meia dúzia de exemplos, reduzida que fiquei à minha estúpida insignificância. Começo por dois óleos de Édouard Cortés, um pós-impressionista de vida longa (1882-1969) que pintou o mesmo ângulo em décadas bem distintas: uma com caleches e outra já com automóveis:
Antoine Blanchard (1910-1988). Voltam a figurar as caleches e as maxi-saias, continua a ver-se a árvore (linda), o quiosque e os interiores iluminados:
...este mesmo sítio (sim, este mesmo, o exacto ângulo que eu escolhera!) já tinha sido pintado 'n' vezes. Over and over again! E por vezes repetidamente pelo mesmo autor. Deixo aqui meia dúzia de exemplos, reduzida que fiquei à minha estúpida insignificância. Começo por dois óleos de Édouard Cortés, um pós-impressionista de vida longa (1882-1969) que pintou o mesmo ângulo em décadas bem distintas: uma com caleches e outra já com automóveis:
Antoine Blanchard (1910-1988). Voltam a figurar as caleches e as maxi-saias, continua a ver-se a árvore (linda), o quiosque e os interiores iluminados:
Jean Boyer (1915-1995) pintou a mesma esquina, desta vez com neve, e a cúpula a surgir estranhamente sobre a fachada da ópera (habitualmente só se consegue vislumbrar de um ângulo mais distante e elevado, como no exemplo seguinte):
Neve ainda, mas agora de noite, caleches outra vez, o toldo incaracteristicamente carmim, mas tudo num registo naif: é Michel Delacroix (nascido em 1933, não confundir com Eugène Delacroix):
A lista continua, com estilos variados, para todos os gostos... Mais três:
Henderson Cisz, pintor brasileiro nascido em 1960. De novo as reverberações do entardecer:
Leroy Neiman (1921-2012): cor expressionista, calor, joelhos femininos, diversidade etária e um polícia de luvas brancas algo abatido:
Leroy Neiman (1921-2012): cor expressionista, calor, joelhos femininos, diversidade etária e um polícia de luvas brancas algo abatido:
O mais recente que encontrei foi este, datado de 2014, de um tal Ricardo Massucatto, em que os transeuntes usam todos XL. Pelos vistos, esta esquina continua a acumular adeptos no mundo dos pincéis:
Bom, fico por aqui, gota de água a evaporar-se no meio do oceano. Não que os meus pobres desenhos alguma vez tivessem tido ilusões de originalidade, mas isto?... Enfim. Acho que no Café de la Paix servem umas bebiditas de consolação. Levo comigo a mala e já nem me lembro deste exército de esquinas a rir-se de mim.